quinta-feira, 8 de junho de 2017

Culturas e expectativas!

Ao comparar a Honorável Arte com qualquer outra do gênero, deve-se considerar primeiramente a real intenção daquele que a fundou, que a criou, que a fundamentou, e com qual finalidade e lógica que isto se concretizou, juntamente com a sua ideologia e a linha filosófica sustentada em função da pratica. Vale lembrar sempre que todas as artes marciais clássicas tem um histórico milenar no qual se observa a premissa de salvaguardar a vida, proteger a família, seus entes queridos e o país. Uma intenção original básica pretendida e que gerou uma alternativa de se defender dos possíveis agressores marginais e de toda a espécie de indivíduos nocivos para a sociedade.

Dito isso vale lembrar que em 1935 O-Sensei’Funakoshi propõe oficialmente a modificação do caractere chinês "To"(antigo), para o caractere "Kara" (vazio) e acrescentando o caractere “Dô”(Caminho-Via espiritual).  O Karatê deixa então de significar "a mão antiga" ou "mão chinesa" e passa a ser conhecido e desenvolvido como (Karatê-Dô) “Caminho das mãos vazias”!   Sua conotação passa a indicar uma prática muito mais abrangente e profunda com relação à contenção dos conflitos. Sua formação transcende a expectativa física e passa a valer-se de uma atuação doutrinária que visa à formação do “Ser” humano como um todo, capacitando-o não apenas no sentido mecânico corporal, mas, e principalmente centrado como diretriz norteadora o envolvimento tridimensional, o tripé, espírito, mente e corpo como unidade inseparável, indissolúvel na vivenciação da Honorável Arte, por uma busca interior conforme as “leis do universo” e que visa a grande paz consigo mesmo e com o mundo.

Num trecho do texto no livro de O-Sensei  (Karatê-Dô - O meu modo de vida - pag.31) ele escreve:
“...O kara que significa “vazio” é definitivamente o mais apropriado! Em primeiro lugar, ele simboliza o fato evidente de que essa Arte de autodefesa não usa armas, somente pés desguarnecidos e mãos vazias. Além disso, os estudantes de Karatê-Dô têm como meta não só aperfeiçoar a Arte de sua escolha, mas também esvaziar o coração e a mente de todo o desejo e vaidade terrenos. Lendo as escrituras budistas, encontramos afirmações como “Shiki-soku-zeku” e “Ku-soku-zeshiki” , que literalmente significam “matéria é vazio” e “tudo é vaidade”.”
“...Acreditando com os budistas que é a vacuidade, o “vazio” que jaz no coração de toda matéria e na verdade de “toda criação”, persisti  resolutamente no uso daquele caractere particular para indicar a arte marcial a que dediquei minha vida!”

Portanto O-Sensei’Funakoshi demonstra nestas poucas palavras o sentido real que envolve o propósito da sua Honorável Arte! O seu Karatê-Dô é definitivamente e acima de tudo um auto aperfeiçoamento doutrinário que visa à pacificação interior e a eliminação definitiva do ego pela contenção dos conflitos e assim alcançando a Grande Paz!

Logo, comparar a Honorável Arte de O-Sensei’Funakoshi com práticas competitivas é um lamentável desrespeito, uma total falta de informação sobre o assunto, ou mesmo nenhuma importância aos fatos, típico da cultura ocidental que reforça e cultua a triste dependência do “ego”! Enquanto que contrariando a tais expectativas, o Karatê-Dô real de O-Sensei’Funakoshi não busca o confronto contra outrem, nem a hegemonia do “ego”, mas sustenta uma auto conscientização e um sentimento de bem estar interior para uma vida longa, segura e pacifica. Se basta por si só na superação de conflitos, tanto externamente como internamente, busca tão somente uma constante harmonia com a natureza, com disciplina acentuada e uma legítima capacidade de confrontar-se, unicamente a si próprio invariavelmente ao longo da vida!

Prof. Sylvio Rechenberg