domingo, 15 de novembro de 2015

¿Quien Dará su Vida por el Dô? ( Quem dará sua vida pelo “Dô”? )

Texto extraído de la Enciclopedia Shotokai de Karate-Do y Artes Marciales Japonesas (http://www.shotokai.cl).

Atenção: Para o seu entendimento leia o texto na íntegra!

Shigeru Egami'Sensei (discípulo de Gichin Funakoshi’O-Sensei) diz em seu livro “The Way of Karate” / “O Caminho do Karatê”:  “ Embora existam alguns grupos nos Estados Unidos e na Europa com o objetivo de compreender a alma do Oriente como um método para neutralizar o impasse decorrente da civilização materialista, colocam ênfase no lado espiritual do Karatê, a triste verdade é que muitas escolas só ensinam a arte do combate e esquecem os aspectos espirituais. “

No Ocidente somos reflexivos, analíticos, matemáticos, utilitários, pragmáticos, discursivos, lógicos, etc., etc., e de acordo com nossa lógica avaliamos e valorizamos as coisas, como uma consequência muito natural, então, assim, as coisas são conforme as “criamos”. Daí o nosso progresso tecnológico, do qual nos sentimos tão orgulhosos e daí surge também a grande quantidade de "ismos" que existem em nossa cultura. Do mesmo modo, sobre-dimensionamos a entrega de qualificações, certificações, títulos e graus, que destacam nossas conquistas e nossa posição. Assim surgem quase que naturalmente os 8°, 9° e 10° Dan.
Mas esta forma de ser ou de enfocar o mundo levou-nos a criar uma sociedade que vive em função do progresso tecnológico criando uma sociedade doente, onde o homem é menos importante do que a máquina. Neste contexto, então, no que se refere à arte marcial, agimos de acordo com nossa história cultural e interpretamos o Karatê de acordo com a nossa visão de mundo.
Assim, então, criaremos nossas próprias organizações e instituições para melhor projetar nossa visão do "karate" ou de qualquer outra arte marcial, conforme for o caso e como nos convier. Criaremos órgãos diretivos e administrativos, conforme um esquema mais democrático possível como uma forma de dar uma maior representatividade e autoridade; mas o que estamos fazendo só vai expressar a nossa visão cultural através do Karatê-Dô.
Seguindo esta lógica, vamos estabelecer uma nova escala de grau, uma vez que consideraremos que um quinto “Dan”, sendo grau máximo, não se encaixa na realidade atual e estabelecemos uma nova escala de graus mais adequados para a nossa mentalidade. Da mesma forma, sobre dimensionaremos a entrega de qualificações, certificações, títulos e graus, que destaquem nossas conquistas e nossa posição. Desta forma, surge quase que naturalmente o 8°, 9° e 10° Dan (que pessoalmente me parece modéstia, pois ainda não entendo como é que não criaram o 20 ° ou 25 ° Dan) e os títulos como "Grande Mestre". Que também me leva a pensar que algum dia poderão vir a existir os "super - extra - arqui - grandes mestres".
De acordo com este tipo de mentalidade, se faz necessário que a técnica seja a mais utilitária possível, pois somente deste modo poderá ser compreendida, e assim mais fácil de entender como "esporte". Qualquer um pode entendê-la, muitos irão querer aprende-la e assim é mais fácil de vendê-la.
Seguindo essa mesma lógica, se criarão títulos e mais títulos, troféus e mais troféus, criar-se-á um grande espetáculo para escolher os melhores e se fará dele a verdadeira razão de ser, a verdadeira razão para a existência do “karate”.
Como observado acima, para este tipo de mentalidade, é necessário que formemos um sistema que destaque as nossas realizações e, ao mesmo tempo nos permita olhar e avaliar o nosso progresso. Vivemos em uma sociedade onde as pessoas não são apreciadas pelo que são, mas pelo que conseguiram adquirir. Karatê, então, não pode ser diferente.
... Para a nossa forma de pensar, o mais fácil de entender será aquilo que mostra o mais simples possível a sua utilidade, mas, contudo, é muito duvidoso que isto esteja representando o verdadeiro propósito da Arte.
Onde as pessoas são valorizadas pelo que têm gera-se um sistema em que todos se esforçam para ter cada dia mais, como uma forma de ganhar reconhecimento e apreciação dos outros. Por conseguinte, no que se refere ao "karatê" e a arte marcial tratar-se-á de ter graduações maiores que o 5º Dan, assim como também títulos e posições que demonstrem aos outros o que valemos. Penso que a nossa sociedade criou um sistema muito particular, onde os seus membros carecem de autoestima.
Por outro lado, existem dentro do "karatê" aqueles que com uma melhor intenção projetam a Arte como um sistema de defesa pessoal. Então neste processo, se realiza um estudo profundo e sistemático que projeta a instrução como um sistema de defesa altamente eficaz.
É verdade que o Karatê pode ser um sistema altamente eficaz de autodefesa, mas eu acho que é um subproduto extraído de um todo da Arte. Eu não acredito que esse é o objetivo real da Arte. Mas, para a nossa forma de pensar, é mais fácil de aceitar aquilo que é apresentado de forma mais simples e fácil possível, mas é duvidoso que isto está representando o verdadeiro propósito da Arte.
Egami'Sensei (discípulo de Gichin Funakoshi’O-Sensei) manifestou a preocupação afirmando que o Karatê-Dô não pode ser visto como uma arte homicida. E para isso não acontecer, não pode ser transmitido assim pelos instrutores. No entanto, é uma manifestação típica da nossa mentalidade pragmática e utilitária que é caracterizada pela falta de espiritualidade.
Muitos instrutores têm viajado do Oriente ao Ocidente para ensinar artes marciais, mas o que a grande maioria tem feito é ensinar uma arte de acordo com a mentalidade Ocidental. Por esta razão se tem sobre dimensionado os títulos e graduações e por isto a "Arte" se transformou em esporte, o qual tem assegurado o sucesso de muitas delas.
Devemos presumir então, que estes instrutores têm feito isso para colher os benefícios do Ocidente, ou seja, os benefícios materiais que ele oferece. Portanto, podemos deduzir que isto tem sido motivado precisamente por que estes instrutores mostraram uma mentalidade fortemente ocidentalizada. Certamente é bem diferente daqueles instrutores que ensinaram a sua "Arte" estabelecendo uma ponte cultural entre o Oriente e o Ocidente.
Karatê-Dô é uma "Arte" que visa despertar um nível de consciência, como todas as manifestações culturais do Oriente, e por esta razão, coloca-lo em conformidade à superficialidade do Ocidente significa começar a corroer no fundamento da sua essência. Obviamente, Egami'Sensei (discípulo de Gichin Funakoshi’O-Sensei) considerava muito importante o aspecto espiritual da "Arte" e fundamental para entender a alma do Oriente.

Como é o Oriente, então? O Oriente é ilógico, irracional, irreflexivo, intuitivo, emocional, não-discursivo, não pragmático, inclusivo, dedutivo, não personalista e, portanto socialmente orientado ao grupo. Não é filosófico nem especulativo, é religioso, é profundo, é espiritual. Isto leva, então, a que suas manifestações culturais sejam consistentes com a espiritualidade. Portanto, as artes marciais “Budo”e Karatê-Dô são uma parte representativa dessa espiritualidade, que visa, por meio do treinamento e da prática, o mais profundo do nosso "Ser".
Karatê-Dô é uma "Arte" que visa despertar um nível de consciência, assim como todas as manifestações culturais do Oriente, e por esta razão, carregá-lo com a superficialidade do Ocidente significa começar a corroer nas profundezas de sua essência. Devido a isso, a "Arte" não pode ser utilitária, nem deve estar cheia de títulos e graus, além daqueles dados por seus criadores, não é por respeito a uma tradição, mas é por respeito a sua essência. Se eu precisar enchê-la de distinções, eu estarei carregando-a de uma superficialidade que não faz parte da sua essência, mas faz parte da lógica Ocidental e de nenhuma maneira parte do objetivo da "Arte".
A "Arte" do Karatê-Dô assim como esta apresentado no livro por Egami'Sensei (discípulo de Gichin Funakoshi’O-Sensei)  se concentra no desenvolvimento do ser humano, fortemente baseada na visão Oriental, que leva a um despertar da espiritualidade do homem e que serve para abordar o avanço avassalador de uma sociedade insensível e materialista.
Como podemos cumprir este propósito, então? Acho que só através da prática sincera, realizada com um amor sincero pela "Arte". Sem buscar sua utilização. A vida não pode ser a busca do lucro. A vida é sentimento, a vida é integração.
Por que temos que lutar uns contra os outros? Por que temos de mostrar que somos melhores do que o outro? Por acaso não podemos nos ajudar mutuamente para sermos a cada dia melhores?  É somente a insegurança que nos torna tão competitivos, buscamos nossa segurança na confirmação a partir dos outros. Não é tratando de ser melhor comparado com outros que vamos deixar de ser o que somos.
Não é um trabalho político, já que não obterá sucesso, por mais organizações que formemos, não importa o quão nobre sejam seus objetivos. É um trabalho através de Keiko, é um trabalho que deve ser feito com keiko-gi.
Creio que Egami'Sensei (discípulo de Gichin Funakoshi’O-Sensei) deixou claramente assinalado o "Caminho". A competição mesmo que seja apenas de kata ou somente de kumite é competição da mesma forma, e não tem lugar num "Caminho" que busca o desenvolvimento espiritual.
A competição é esporte e o esporte pode ser muito bom para as pessoas, mas não é um método para o desenvolvimento espiritual. Quero deixar bem claro que eu não sou contra o esporte, pelo contrário, eu acredito que todos deveriam fazer esportes, independentemente do sexo, idade ou condição física. Cada pessoa deveria integrar o esporte mais adequado conforme as suas características pessoais, no entanto, isso não significa, que em sendo bom para a sociedade, que tudo deve ser transformado em esporte.
Alguém imaginaria um grupo de sacerdotes realizando um torneio para ver quem realiza a melhor missa, ou um campeonato de clérigos para ver quem faz o melhor sermão? Seria simplesmente ridículo, para dizer o mínimo. Alguém pode imaginar Egami'Sensei (discípulo de Gichin Funakoshi’O-Sensei) fazendo com que seus alunos participem de competição? Para todas as questões levantadas acima, parece que houve um confronto entre a mentalidade Ocidental e a mentalidade Oriental, mas eu creio que não é assim. No entanto, é necessário definir claramente as características de cada cultura para entender o problema em sua totalidade, só deste modo se poderá compreender plenamente as palavras de Egami'Sensei (discípulo de Gichin Funakoshi’O-Sensei).
Acredito que através do intercâmbio cultural e ao grande desenvolvimento das comunicações chegará um dia no futuro, em que não haverá uma dicotomia entre uma cultura e outra e se falará de uma cultura universal, que terá como objetivo o desenvolvimento integral do ser humana e, assim, de toda a sociedade. Mas, para que isso aconteça são necessários grandes líderes. Pessoas que saibam como projetar o melhor do ser humano e lutem pela causa da humanidade. Será esta a missão dos homens do terceiro milênio? Esperemos que sim!
No que diz respeito ao Karatê-Dô e o Budo, necessitamos de líderes que mantenham inalterado o legado de Egami'Sensei (discípulo de Gichin Funakoshi’O-Sensei) e se comprometam a esta causa para a humanidade, mas junto com isso, é necessário muita humildade para assumir esse papel tão necessário.
Não é um trabalho político, porque não obterá o sucesso esperado, por mais organizações que formemos, não importa quão nobres sejam seus objetivos. É um trabalho através de Keiko, é um trabalho que se deve realizar com keiko-gi. É um trabalho que se deve realizar em contato com a natureza e não em um escritório e nem em um estádio esportivo, é um trabalho que se deve realizar no mais profundo de cada "Ser" humano. Quem será o próximo que dará sua vida para que possamos entender algo deste "Caminho"?

Umberto Heyden’Sensei
Shotokai Karate Budo.
Chile.

Julio 3,1997