sábado, 18 de fevereiro de 2017

“Desígnios ”

O Karatê-Dô de O-Sensei’Funakoshi foi criado a partir de seus estudos no vivenciamento  pessoal com os seus principais professores, Azato’Sensei e Itosu’Sensei, além também de Matsumura’Sensei;  e desenvolvido por ele, adequando-o e por vezes simplificando-o, principalmente baseado numa formação nos princípios Taoistas e Zen Budistas. Sua nobre intenção com a Honorável Arte, claramente exposta em seus livros, era a de tornar possível a qualquer cidadão comum, não importando a idade ou condição física, para dela se valer e pratica-la com constância durante a vida inteira. Em momento algum de sua trajetória vivencial ele, O-Sensei’Funakoshi, jamais recebeu qualquer tipo de orientação, indicação ou algum tipo de referencia dos seus professores para uma prática desportiva, competitiva, ou de características confrontantes, muito pelo contrário. A própria ideologia, a filosofia e sua formação moral, cultural e espiritual, jamais permitiriam qualquer transgressão aos princípios doutrinários, muito menos com intuitos ego centrados, pois transformariam a sua Honorável Arte numa simples prática lúdica de natureza competitiva e assim desvirtuando e contrariando sua real finalidade formativa construtiva. Isso seria impensável e inaceitável para ele, envergonhando e manchando para sempre o seu caráter, pois não era esse o seu propósito em qualquer nível de interpretação possível, considerando a sua expectativa do legado para as futuras gerações. Infelizmente por fim e em especial, logo a partir de sua morte, seus nobres ideais fracassaram neste sentido, embora norteada para a contenção do conflito o (Budo), e para o auto aperfeiçoamento do “Ser” indivisível, a sua “Arte” lamentavelmente seguiu por outro caminho. O-Sensei já advertira para isso em 1940 proibindo a pratica do Jyu Kumite (de forma livre) que visava confrontos para ver quem era o melhor; reforçando o seu pedido novamente em 1941 afirmando que expulsaria do seu Dojo quem infringisse sua determinação, pois o espírito de competição contraria totalmente a essência do verdadeiro “Budô” em (conter o conflito) e que a competição induz a um espírito de violência! Portanto, se naquela época, em algumas universidades japonesas já havia manifestações contrárias a sua ideologia doutrinária, que dirá então apresentando sua Honorável Arte para o resto do mundo.  Infelizmente aos olhos do ocidente, por mais que se faça ou se diga o que em verdade deve ser compreendido, aceito e praticado, a intenção de um ideal maior, neste caso, cobrou um preço alto demais, gerando consequências desastrosas e praticamente irreversíveis. Tal ideologia filosófica formativa foge do padrão institucionalizado de outras culturas e consequentemente é mal interpretada e transformada em um simples desporto, divergindo completamente da sua legitimidade original. Sem falar que isto implica numa possibilidade comercial, promocional e de rápida aceitação social, ainda mais quando é capaz de envolver e aguçar o “ego”, atiçando justamente a fraqueza humana pela disputa, pelo conflito e pela pura satisfação pessoal, atraindo assim milhões de pessoas com este tipo de perfil. Logo, tal atividade é rapidamente aceita e assimilada pelo ocidente, ainda que equivocadamente. E por óbvia dedução do acaso, contaminando também o oriente, em particular, as novas gerações de entusiastas com pouca ou nenhuma conscientização espiritual de formação e total desinteresse pelas tradições, pelos seus antepassados e pela sua sagrada sabedoria milenar. Contudo, existem exceções, “células doutrinárias do Karatê-Dô de O-Sensei’Funakoshi”, pequenos grupos, de forte resistência e oposição para tais “mudanças distorcidas” nesta “moderna globalização de interesses”. E já naquele tempo, um ano antes de falecer, tamanha era sua tristeza, que no dia 13 de Outubro de 1956 finalizava o prefácio da segunda edição de sua histórica obra literária “Karatê-Dô Kyohan” e revelava angustiado o seu descontentamento e um profundo desgosto e evidente repudio ao lamentável estado que já naquela época sua Honorável Arte tinha se transformado, no “quase irreconhecível estado espiritual a que chegou o mundo do Karatê atual” escrevia o mestre em seu mais famoso livro! E mesmo assim, contrariando ao desígnio de seu próprio fundador, dois meses após a sua morte ocorrida em (26/04/57), logo em junho daquele mesmo ano foi realizado em Tóquio a primeira competição pública de Karatê no Japão.

Prof. Sylvio Rechenberg