sábado, 17 de julho de 2010

Disciplinar o "ego"!

Diz no livro Karatê-Dô Nyumon: “O Roshi (Mestre Funakoshi) transmitiu o Karatê-Dô não somente como método de combate, mas também como uma disciplina espiritual, e demonstrou-o.
Fala-se muito da importância da parte espiritual, mas, na realidade quem faz competição só procura combater e ganhar.
Mestre Funakoshi, proíbe a competição!
“Antigamente compreendia-se o Shiai como Shiniai (Shi-morrer, Ai-mutuamente) devendo-se prosseguir até que um caia. No Japão essa era a verdadeira forma de Shiai. Imagino que se passou à atual forma de Shiai, devido à influência dos desportos ocidentais que tinham sido introduzidos no Japão. Para buscar e investigar como Budo verdadeiro ou como Dô, deve-se estar seguro de que não existe competição e procurar mais além, do ponto de vida ou morte.”
“Estudar a fundo como um método de combate real e depois ir mais além da luta. (chegar) a sentir com o corpo um estado de união entre si e o oponente. Este é o sentido de kumite.” O “Caminho” Karatê-Dô tem muitos elementos de Zen. Por isso é quase impossível explica-lo com palavras.
Num episódio, conta-nos a história que: Ao ver uns antigos companheiros, depois de não os ter visto durante alguns anos, um deles perguntou se ainda fazia Karatê para procurar a forma de matar pessoas. Esta palavra estilo brincadeira causou-lhe espanto. E perguntou-se a si mesmo: É certo que no Karatê para matar não existe diferença com os animais (seres irracionais)? No mundo dos animais é impossível evitar o confronto, mas os humanos que têm a capacidade de ser subjetivos não podem superar a mentalidade dos animais?
Karatê-Dô esta em ultrapassar o simples dualismo de ganhar ou perder.
O samurai Sekiun Harigaya falava de Aiuchi, como um estado supremo não para se danificar entre si, mas para anular mutuamente a competitividade por intermédio da Katana: "Não se matar entre si, mas viver mutuamente", A este estado chamou: “Ainuke”.
Antes de Sekiun, o principio esotérico do Ken era Aiuchi como decisão de negar-se a si próprio e a morte, mas isto era uma forma de ganhar o combate, visto abandonar-se a ansiedade de sobreviver. “Ter essa decisão, por conseguinte procurar ganhar, não supera o dualismo” menciona Sekiun. Para chegar a Ainuke, tem de se abandonar o desejo de ganhar, a decisão de morrer e todo o pensamento. É necessário atuar em conformidade com a natureza, É uma característica do Zen.
Mestre Shigeru Egami disse: “Hissho ( a decisão de ganhar sem falta) e Hissatsu (a decisão de matar sem falta), são idéias do principiante que ainda não saiu da primeira etapa. Quando compreender e sentir com o corpo, que não perder não quer dizer ganhar, então poderá sair da primeira etapa. Ainda que se avance num mundo de ganhar e perder, não há diferença, é também o mundo de ganhar ou perder, ganhando o ser mais forte ao mais débil, como é natural. Mas não existe nem mais forte nem mais débil, o método para conviver e harmonizar todo o mundo é a finalidade do Karatê-Dô que praticamos.”
Assim a idéia de "jiyu-ippon-kumite", incluindo a idéia de combate é que no Shiai de Kenjitsu, perder quer dizer morrer, logo o treino era então uma forma de aumentar a capacidade de decidir-se a morrer. “Um método para encontrar o grande eu (ego do universo) abandonando o mini eu (próprio ego).” Comenta-se no livro de Ken e Zen de Sogen Omori.

Para ser desporto (controlado com hikite e hikiashi, ou estilo full contact), necessita de regulamentos para evitar o perigo. No mundo do dualismo onde nem sequer cabe a idéia de decidir-se a morrer, nem a abandonar o ego, perde-se a base da existência como Budo.
O TZUKI DO KARATÊ ORIGINAL
Diz Ito Shihan e explica: “A técnica muscular, impede o desenvolvimento do Ki. Há que encontrar um caminho para que o Ki passe, abandonando a tensão muscular, mas isso só não basta. Há que arremessar fortemente o Ki, do interior para o exterior com a consciência. Por conseguinte dentro da trajetória do tzuki está matizada a contração e expansão do corpo.
No ano de 1927, quando o Mestre Funakoshi fez uma demonstração no Japão, um jornalista do periódico (Tokyo nichi nichi Shinbun) perguntou-lhe o que era o Karatê e o Mestre respondeu-lhe: “O Karate é uma técnica com a qual um indivíduo se pode defender com as mãos vazias sem necessidade de se armar, podendo bater um oponente com um golpe que lhe pode causar a morte produzindo danos nos órgãos interiores sem ferir nem a pele nem os músculos.”

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Parando o conflito ( Budo )

Segundo Gichin Funakoshi O-Sensei: "(...)Situando-se o combate de Karatê entre a vida e a morte, não podemos treinar seriamente senão através das formas de combate convencionais, através das quais cada um se esforça por ultrapassar os seus limites. ”

Admitindo que a vida é luta, duas perspectivas se podem colocar. Podemos pensar nela como uma luta pelo pódio onde é preciso subir, custe o que custar, vencendo para isso os nossos semelhantes, vistos como competidores. Ou podemos vê-la como uma luta pela Vida que se pode percorrer em harmonia e respeito pelos outros, parando o conflito (budo) e sabendo usar a nossa força e a do nosso semelhante com benefícios mútuos.

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A comprovação de um sábio!

Na introdução à segunda edição do seu mais famoso livro “Karatê-Dô Kyohan”, em 13 de Outubro de 1956, Funakoshi Gichin O-Sensei escreveu:

“(...) Em resultado da desordem social que surgiu no final da Segunda Guerra Mundial, o mundo do Karatê dispersou-se, tal como muitas outras coisas. Aparte o declínio do nível técnico desses tempos, não posso negar que houve momentos em que tomei dolorosamente consciência do quase irreconhecível estado de espírito a que se chegou, face aquele que existia nos tempos em que eu introduzi pela primeira vez e comecei a ensinar Karatê. Embora se possa argumentar que tais mudanças não são mais que o resultado natural da expansão do Karatê-dô, não é óbvio que se possa contemplar tal resultado com regozijo em vez de apreensão. É, pois, com um sentimento misto de alegria e remorso que eu tenho observado e tentado providenciar uma melhor direção para o curso do mundo do Karatê, e sinto dificuldade em calcular qual será a influência que eu ainda possa ter perante tamanha força de corrente. (...)”
Numa entrevista dada em 1982, após a saída de Saigo Kichinosuke Sensei da NKK, Nakayama Masatoshi Sensei que assumiu a presidência daquela organização até sua morte, afirmou:

“(...) Sabe, antes da morte de Mestre Funakoshi eu comecei a investigar no sentido de desenvolver torneios, ou Karatê desportivo. Mas quando eu pedi conselho a Funakoshi Sensei ele recusou-se a comentar. Ele estava preocupado, sabe, que os torneios se tornassem demasiado populares e que, então, os estudantes começassem a afastar-se dos princípios básicos e que praticassem unicamente competição. (...)”

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