quarta-feira, 28 de junho de 2017

"Karateka" ≠ atleta!

Ser educado, respeitoso, esforçado, controlado, qualquer um em qualquer esporte pode se tornar uma pessoa melhor, pode realmente ser um cidadão honesto e bem comportado na sociedade, trabalhador e ser um bom pai de família, pode até ser um exemplo para muitas pessoas. Qualquer um pode e deve procurar melhorar seus hábitos, atitudes e explorar suas virtudes ao máximo.

Contudo, infelizmente uma das grandes fraquezas humanas é “o ego”, e quando falo em “ego”, me refiro quando este “comanda a vontade e se sobrepõem a razão”, contrariando a fundamentação das virtudes essenciais do homem, e que o faz regredir em suas ações como ser humano em detrimento dos demais, se alegrando, se vangloriando, se envaidecendo com a derrota dos outros. Logo, caracterizando aí uma contradição, uma hipocrisia enrustida em muitos “ditos esportes ou desportos de competição”, assim como lamentavelmente o “dito karate esportivo” que hoje infesta e corrompe a sua verdadeira doutrina.

Na Honorável Arte do Karatê-Dô de O-Sensei’Funakoshi temos o Dojo-Kun (lema) e o Niju-Kun (princípios) para orientar e nortear seus membros-praticantes de que forma devem agir e se comportar em todos os momentos em sua vida, bem como a forma correta que a prática deve ser conduzida, desenvolvida e considerada. Devendo assim segui-la em plena conformidade com as determinações e conforme a linha ideológica e filosófica do seu fundador.

E é aqui que se observa muito claramente que nesses dois “rígidos códigos de conduta” sabiamente elaborados e afirmados como “lei” num tradicional Dojo de Karatê-Dô, tanto no lema, nos seus cinco apontamentos aclamados antes e logo após cada sessão de treinamento, quanto nos vinte princípios fundamentais do Karatê-Dô de O-Sensei, que a formação de um membro-praticante deve ser acondicionada diretamente e objetivamente a sua forma de agir tanto dentro como fora do recinto de um Dojo.

E é ali que o “Caminho” se divide completamente! De um lado a busca pelo conflito (a competição); do outro a Paz, a contenção do conflito! Dois opostos, nos quais a grande maioria caminha de um lado para o outro, sem absolutamente nenhuma definição real, muito menos fidelidade incondicional, onde justamente deveria ser o “norte” do “Dô” do Karatê de O-Sensei!

Não se pode trilhar com lealdade, legitimidade e comprometimento irrestrito por caminhos opostos! Hora em um, hora em outro, isso demonstra uma forma de “ser e de agir” contraditória, hipócrita, um comportamento que não tem nada em haver com o “Caráter” que se professa e se espera no Dojo-kun de O-Sensei! Quem cultiva um espírito de Paz busca a Paz, jamais o conflito, sem exceções!

Outro exemplo bem oportuno é a prática do “Taikyoku Shodan”, ao mesmo tempo eu posso executar o “Taikyoku Shodan” e encara-lo como parte do meu processo de estudo ou como uma simples forma de aperfeiçoamento técnico nos meus treinos diários, ou mesmo como uma formalidade eventual.

Porem, se eu realmente compreender o seu significado e me prontificar em assumir o seu propósito, me doando inteiramente, isto é, sem questionar, sem interferência pessoal, mas simplesmente executá-lo, com sinceridade e me comprometer com o seu “ideal” e então considera-lo e senti-lo simplesmente da forma original, como a legitima “criação de O-Sensei” a cada vez que eu o reproduzo e dou vida a ele, e, portanto torná-lo único por excelência, então estarei firme nesse ”Caminho”. Onde posso sentir-me parte dele quando me encontro executando-o, não importando o lugar, nem o ritmo, nem mesmo a condição ou de qual inspiração, simplesmente o faço porque nele me sinto mais próximo do fundador e do que ele(O-Sensei) queria que atentássemos de verdade, conforme a sua doutrina de pacificação!

E que assim, vivenciássemos a sua Honorável Arte, bem menos destrutiva, mas muito mais construtiva, de reencontros e descobertas interiores e por uma profunda gratidão pela misteriosa e apaixonante razão de viver em harmonia com a gente mesmo e com os outros, e que na prática diária isso se tornasse cada vez mais e mais forte, com uma razão definitiva e determinada com um sentimento de realização interior inigualavelmente autossuficiente em todos os aspectos que regem a nossa vida!

Logo o ideal é que um “Yudansha” de Karatê-Dô de O-Sensei’Funakoshi seja um exemplo de unificação, de compreensão, de responsabilidade e comprometimento com a origem da qual se gerou a intenção de sua existência e do que motivou o seu fundador a dedicar toda a sua vida a esta tão nobre missão!

Compreender como “principio” que um “Tsuki” antes  de mais nada é uma extensão de uma sensação interior que ultrapassa a razão da matéria, esta muito além, muito mais adiante, tanto dentro como fora da alma, se funde com o passado e se volta para o presente com as mesmas emoções que um dia inspiraram os genuínos sábios dos tempos antigos à revela-lo ao mundo, justamente o que O-Sensei afirmou ter compreendido só no final de sua vida!

E assim dentro desta ótica, abraçar a doutrina e se esforçar dia após dia para honrar as palavras que estão gravadas no tumulo de O-Sensei ( “No Karatê-Dô não existe “agressão”!” ) e que lamentavelmente volta e meia são anunciadas em muitos sites, blogs, redes sociais, mas quase ninguém atenta, só comenta, mas não seguem ou cumprem em nada tal conceito, é mera bajulação da hipocrisia popular em voga na “nossa” sociedade! É o retrato do equivoco a que se transformou a interpretação da prática do Karatê-Dô de O-Sensei mundo a fora!

Um “Yudansha” é “a essência”, e como essência deve se comportar em qualquer lugar e em qualquer tempo da sua vida, deve se ater aos “princípios e aos designíos” da Honorável Arte, assim como O-Sensei queria que fosse, e que para bem poucos, mas para bem poucos mesmo ainda o é e sempre o será!

Prof. Sylvio Rechenberg

domingo, 18 de junho de 2017

Bonsai-Dô e o "Karatê-Dô de O-Sensei".

Bonsai é uma palavra japonesa que em português significa “plantando em uma bandeja”.
A sua longevidade depende do cuidado dispensado por seu “cultivador”.
O Bonsai teve sua origem na China em torno do século VIII. Onde no Japão durante esse mesmo período houve uma grande influência da cultura chinesa, com a expansão do Budismo, difundindo-se ainda mais a partir do século XIII com o Zen-budismo.
Pela sistematização da Arte do Bonsai por povos orientais, ela traz consigo conotações das filosofias religiosas praticadas há muito tempo naquelas regiões.

Assim, surge, por exemplo, o conceito "Bonsai-Dô" . Significa "Caminho" para o interior do "EU", pela Arte do Bonsai, ou seja, circunspecção através da concentração mental ao se trabalhar um Bonsai. (...) podemos dizer que "Bonsai-Dô" é uma terapia mental que praticamos através da Arte.
Durante muito tempo, a Arte do Bonsai era praticada pelos Samurais, para amenizar o lado guerreiro, feroz, do seu ofício. Hoje, no Japão, o currículo dos policiais inclui alguma prática de Jardinagem, também por esse motivo. A concentração exigida pelo trabalho consciente com um Bonsai afasta, por um tempo, suas preocupações com outros problemas, que, muitas das vezes, se resolverão naturalmente com o seu trabalho e seu cuidado, sem angústia, porém. Inúmeras vezes, ao final de uma sessão de trabalho com Bonsais, afloraram à minha mente soluções para outros problemas, geradas pelo meu subconsciente, enquanto o consciente estava ocupado.

A Arte do Bonsai, como a Arte da Marcenaria (novamente as árvores), que exigem concentração no que vai ser feito, medição repetida do que pretendemos fazer e o uso das mãos conjugadas a um planejamento cerebral, pode se constituir uma alternativa de terapia ocupacional.
Outro termo ligado à Arte do Bonsai é "Chizen ou Shizen". Significa harmonioso, natural.
As artes orientais transmitem harmonia e naturalidade. (...) Para tratarmos nossas arvoretas visando tal harmonia, temos que estar harmônicos conosco. Antes de iniciar algum trabalho de Bonsai, procure a tranquilidade, respire pausadamente e afaste outros pensamentos. Concentre-se no que vai fazer, a busca da harmonia interna é outro aspecto desta Arte Milenar.

Lembre-se que depende dos teus cuidados e do teu carinho. O respeito pela Vida, à paciência em esperar que responda aos teus cuidados, a concentração ao lidar, a busca da harmonia interna através do cultivo, trará paz interior, consigo mesmo e com seus semelhantes!


quinta-feira, 8 de junho de 2017

Culturas e expectativas!

Ao comparar a Honorável Arte com qualquer outra do gênero, deve-se considerar primeiramente a real intenção daquele que a fundou, que a criou, que a fundamentou, e com qual finalidade e lógica que isto se concretizou, juntamente com a sua ideologia e a linha filosófica sustentada em função da pratica. Vale lembrar sempre que todas as artes marciais clássicas tem um histórico milenar no qual se observa a premissa de salvaguardar a vida, proteger a família, seus entes queridos e o país. Uma intenção original básica pretendida e que gerou uma alternativa de se defender dos possíveis agressores marginais e de toda a espécie de indivíduos nocivos para a sociedade.

Dito isso vale lembrar que em 1935 O-Sensei’Funakoshi propõe oficialmente a modificação do caractere chinês "To"(antigo), para o caractere "Kara" (vazio) e acrescentando o caractere “Dô”(Caminho-Via espiritual).  O Karatê deixa então de significar "a mão antiga" ou "mão chinesa" e passa a ser conhecido e desenvolvido como (Karatê-Dô) “Caminho das mãos vazias”!   Sua conotação passa a indicar uma prática muito mais abrangente e profunda com relação à contenção dos conflitos. Sua formação transcende a expectativa física e passa a valer-se de uma atuação doutrinária que visa à formação do “Ser” humano como um todo, capacitando-o não apenas no sentido mecânico corporal, mas, e principalmente centrado como diretriz norteadora o envolvimento tridimensional, o tripé, espírito, mente e corpo como unidade inseparável, indissolúvel na vivenciação da Honorável Arte, por uma busca interior conforme as “leis do universo” e que visa a grande paz consigo mesmo e com o mundo.

Num trecho do texto no livro de O-Sensei  (Karatê-Dô - O meu modo de vida - pag.31) ele escreve:
“...O kara que significa “vazio” é definitivamente o mais apropriado! Em primeiro lugar, ele simboliza o fato evidente de que essa Arte de autodefesa não usa armas, somente pés desguarnecidos e mãos vazias. Além disso, os estudantes de Karatê-Dô têm como meta não só aperfeiçoar a Arte de sua escolha, mas também esvaziar o coração e a mente de todo o desejo e vaidade terrenos. Lendo as escrituras budistas, encontramos afirmações como “Shiki-soku-zeku” e “Ku-soku-zeshiki” , que literalmente significam “matéria é vazio” e “tudo é vaidade”.”
“...Acreditando com os budistas que é a vacuidade, o “vazio” que jaz no coração de toda matéria e na verdade de “toda criação”, persisti  resolutamente no uso daquele caractere particular para indicar a arte marcial a que dediquei minha vida!”

Portanto O-Sensei’Funakoshi demonstra nestas poucas palavras o sentido real que envolve o propósito da sua Honorável Arte! O seu Karatê-Dô é definitivamente e acima de tudo um auto aperfeiçoamento doutrinário que visa à pacificação interior e a eliminação definitiva do ego pela contenção dos conflitos e assim alcançando a Grande Paz!

Logo, comparar a Honorável Arte de O-Sensei’Funakoshi com práticas competitivas é um lamentável desrespeito, uma total falta de informação sobre o assunto, ou mesmo nenhuma importância aos fatos, típico da cultura ocidental que reforça e cultua a triste dependência do “ego”! Enquanto que contrariando a tais expectativas, o Karatê-Dô real de O-Sensei’Funakoshi não busca o confronto contra outrem, nem a hegemonia do “ego”, mas sustenta uma auto conscientização e um sentimento de bem estar interior para uma vida longa, segura e pacifica. Se basta por si só na superação de conflitos, tanto externamente como internamente, busca tão somente uma constante harmonia com a natureza, com disciplina acentuada e uma legítima capacidade de confrontar-se, unicamente a si próprio invariavelmente ao longo da vida!

Prof. Sylvio Rechenberg