Ao comparar a Honorável Arte com
qualquer outra do gênero, deve-se considerar primeiramente a real intenção
daquele que a fundou, que a criou, que a fundamentou, e com qual finalidade e
lógica que isto se concretizou, juntamente com a sua ideologia e a linha
filosófica sustentada em função da pratica. Vale lembrar sempre que todas as artes
marciais clássicas tem um histórico milenar no qual se observa a premissa de
salvaguardar a vida, proteger a família, seus entes queridos e o país. Uma
intenção original básica pretendida e que gerou uma alternativa de se defender
dos possíveis agressores marginais e de toda a espécie de indivíduos nocivos para
a sociedade.
Dito isso vale lembrar que em
1935 O-Sensei’Funakoshi propõe oficialmente a modificação do caractere chinês
"To"(antigo), para o caractere "Kara" (vazio) e
acrescentando o caractere “Dô”(Caminho-Via espiritual). O Karatê deixa então de significar "a mão
antiga" ou "mão chinesa" e passa a ser conhecido e desenvolvido
como (Karatê-Dô) “Caminho das mãos vazias”! Sua conotação passa a indicar uma prática
muito mais abrangente e profunda com relação à contenção dos conflitos. Sua
formação transcende a expectativa física e passa a valer-se de uma atuação
doutrinária que visa à formação do “Ser” humano como um todo, capacitando-o
não apenas no sentido mecânico corporal, mas, e principalmente centrado como
diretriz norteadora o envolvimento tridimensional, o tripé, espírito, mente e
corpo como unidade inseparável, indissolúvel na vivenciação da Honorável Arte, por
uma busca interior conforme as “leis do universo” e que visa a grande paz
consigo mesmo e com o mundo.
Num trecho do texto no livro de
O-Sensei (Karatê-Dô - O meu modo de vida
- pag.31) ele escreve:
“...O kara que significa “vazio” é definitivamente o mais apropriado!
Em primeiro lugar, ele simboliza o fato evidente de que essa Arte de autodefesa
não usa armas, somente pés desguarnecidos e mãos vazias. Além disso, os
estudantes de Karatê-Dô têm como meta não só aperfeiçoar a Arte de sua escolha,
mas também esvaziar o coração e a mente de todo o desejo e vaidade terrenos.
Lendo as escrituras budistas, encontramos afirmações como “Shiki-soku-zeku” e
“Ku-soku-zeshiki” , que literalmente significam “matéria é vazio” e “tudo é
vaidade”.”
“...Acreditando com os budistas que é a vacuidade, o “vazio” que jaz no
coração de toda matéria e na verdade de “toda criação”, persisti resolutamente no uso daquele caractere
particular para indicar a arte marcial a que dediquei minha vida!”
Portanto O-Sensei’Funakoshi
demonstra nestas poucas palavras o sentido real que envolve o propósito da sua
Honorável Arte! O seu Karatê-Dô é definitivamente e acima de tudo um auto
aperfeiçoamento doutrinário que visa à pacificação interior e a eliminação
definitiva do ego pela contenção dos conflitos e assim alcançando a Grande Paz!
Logo, comparar a Honorável Arte
de O-Sensei’Funakoshi com práticas competitivas é um lamentável desrespeito, uma
total falta de informação sobre o assunto, ou mesmo nenhuma importância aos fatos, típico da cultura ocidental que reforça
e cultua a triste dependência do “ego”! Enquanto que contrariando a tais expectativas,
o Karatê-Dô real de O-Sensei’Funakoshi não busca o confronto contra outrem, nem
a hegemonia do “ego”, mas sustenta uma auto conscientização e um
sentimento de bem estar interior para uma vida longa, segura e pacifica. Se basta por si só na superação de conflitos, tanto externamente como
internamente, busca tão somente uma constante harmonia com a natureza, com
disciplina acentuada e uma legítima capacidade de confrontar-se, unicamente a si
próprio invariavelmente ao longo da vida!
Prof. Sylvio Rechenberg