" Noite após noite, frequentemente
no pátio da casa do Sensei Azato, sob a observação do mestre, eu praticava um kata
(“exercício formal”), repetidas vezes, semana após semana, ás vezes mês após
mês, até tê-lo dominado completamente para satisfação do meu professor. Essa repetição
constante de um único kata era estafante, muitas vezes exasperante e ocasionalmente
humilhante. Mais de uma vez tive de lamber o pó no assoalho do dojô ou no pátio
de Azato. Mas a prática era rígida, e nunca era autorizado a passar a outro
kata sem que Azato estivesse convencido de que eu tinha compreendido bem o que
estivera exercitando. Embora consideravelmente avançado em anos, ele sempre se
sentava ereto como uma vareta, na sacada, quando trabalhávamos ao ar livre,
vestindo um hakama, com um lampião de luz fraca a seu lado. Seguidas vezes, por
puro cansaço, eu simplesmente não conseguia sequer apagar a chama. Depois de
executar um kata, esperava seu julgamento verbal. Este era sempre sóbrio. Se
continuasse insatisfeito com minha técnica, murmurava, “Faça de novo”, ou, “Um
pouco mais!” Um pouco mais, um pouco mais, tantas vezes um pouco mais, até que
o suor escorria e eu estava pronto para desabar: era seu jeito de me dizer que
ainda havia algo a ser aprendido, a ser dominado. Por vezes, quando considerava
meu progresso satisfatório, seu veredicto era expresso com uma única palavra,
“Bom!” Essa única palavra era seu maior elogio. Até que não a ouvisse
pronunciada várias vezes, porém, jamais me atrevia a pedir-lhe que me ensinasse
um novo kata. Mas após o término de nossas sessões práticas, em geral nas
primeiras horas da madrugada, ele se tornava um tipo diferente de professor.
Então teorizava sobre a essência do Karatê ou, como um pai bondoso, me
interrogava sobre minha vida de professor. Pouco antes do amanhecer, pegava
minha lanterna e voltava para casa, consciente, à medida que minha caminhada
terminava, dos olhares desconfiados dos vizinhos. Não posso de maneira alguma
deixar de mencionar um bom amigo de Azato, um homem que também teve sua origem
numa família shizoku de Okinawa e também considerado tão hábil na arte do Karatê
quanto o próprio Azato. Às vezes, eu praticava sob a tutela dos dois mestres,
Azato e Ytosu, ao mesmo tempo. Nessas ocasiões ouvia com a maior atenção as
discussões entre ambos, e assim aprendi muito sobre a arte tanto em seus
aspectos espirituais como físicos. Não fosse por esses dois grandes mestres, eu
seria uma pessoa bem diferente hoje em dia. Considero ser quase impossível
expressar minha gratidão a eles por me orientarem ao longo do “Caminho” que me
proporcionou minha principal fonte de gratificação durante oito décadas de
minha vida."
Gichin Funakoshi’O-Sensei