“ Nos últimos anos, cada vez mais
tenho ouvido as pessoas dizerem “Karatê sennen-goroshi” ou “Karatê
gonen-goroshi”, significando que um homem que foi atingido por um golpe de
Karatê morrerá inevitavelmente dentro de três ou de cinco anos depois do golpe.
Isto é algo selvagem e totalmente deplorável, mas, visto que essa afirmação
contém alguma verdade, gostaria de tratar desse assunto brevemente aqui. Com
toda a certeza, é totalmente incorreto afirmar que se alguém golpeia um
oponente de um certo modo, ele está inevitavelmente fadado a morrer num período
de três ou de cinco anos. Mas é verdade que um homem golpeado desse modo,
embora possa não morrer no momento em que é atingido, pode realmente morrer
depois de alguns anos como consequência do golpe. Certos golpes de Karatê,
então, tendem a abreviar a vida da vítima: e nisso que reside o tanto de
verdade que deu origem a essas afirmações.
Como isso acontece? Sem dúvida, o
leitor já viu fotografias de Karatekas quebrando tábuas ou telhas com um golpe de
mão. Em geral, a primeira tábua ou telha permanece intacta; as que ficam por baixo é
que quebram; a tábua que de fato recebe o golpe não mostra sinais de ter sido
atingida. O mesmo pode dizer-se com relação
a uma pancada no corpo humano: nada aparece na superfície, mas o interior
pode ficar seriamente comprometido.
Todos já ouvimos falar de situações em que alguém foi
atingido por alguma coisa e que, sentindo pouca ou nenhuma dor, esquece o assunto.
Então, com o passar do tempo — talvez anos — a dor começa e pode aumentar. Mas dar tais golpes, como quebrar tábuas ou
telhas, está longe da verdadeira essência do Karatê-Dô! Digamos que uma pessoa hábil no Karatê
possa geralmente quebrar cinco tábuas com um único golpe. Agora, se um
homem mediano que não conhece absolutamente nada de Karatê se submeter a um
treinamento adequado, ele provavelmente será capaz de quebrar três ou quatro tábuas. Mas certamente
não podemos dizer que por isso chegou a compreender o significado
verdadeiro do Karatê. Se tentasse utilizar a habilidade que adquiriu atacando outros, com
toda probabilidade perderia a luta; ele teve êxito em fortalecer as mãos, mas fracassou em compreender a natureza do Karatê.
Lembro-me de como o Departamento
de Polícia Metropolitana temia (na época em que pela primeira vez vim para
Tóquio) que o Karatê pudesse ser usado como arma de ataque. Penso que as
pessoas não sejam tão loucas hoje em dia. Alguns anos depois, um oficial graduado
me disse, “Veja, qualquer pessoa que porte uma arma de fogo ou uma espada pode
ser presa por posse ilegal de arma, mas no Karatê as únicas armas são as mãos e
as pernas, e certamente não podemos prender as pessoas por carregarem isso.
Assim, gostaria de pedir-lhe que orientasse os jovens que treinam em seu Dojô a
não usarem sua habilidade para nenhum propósito ilegal. Há muitos bandos de
arruaceiros no país atualmente!” Percebi que se esses bandos, através de meus
esforços, aprendessem Karatê e ousassem para aleijar ou mesmo assassinar
pessoas, meu nome estaria desgraçado para sempre. Orgulho-me de dizer que, das
dezenas de milhares de pessoas que estudaram e praticaram a arte do Karatê em
meu Dojô, não conheço um único caso em que a habilidade foi usada ilegalmente.
Em minhas orientações, sempre
enfatizei o ponto de que o Karatê é uma arte de defesa e que nunca deve servir a
propósitos ofensivos. “Tenha cuidado”, escrevi num dos meus primeiros livros, “com as
palavras que fala, pois se você for arrogante fará muitos inimigos. Nunca se esqueça do
antigo ditado que diz que um vento forte pode destruir uma árvore robusta, mas o salgueiro
verga, e o vento passa por ele. As
grandes virtudes do Karatê são a prudência e a humildade!”
É por isso que ensino meus alunos
a estarem sempre alertas, mas nunca assumir a ofensiva com suas habilidades, e recomendo aos novos que em hipótese
alguma usem seus punhos para resolver diferenças pessoais. Confesso que alguns
dos mais jovens não concordam comigo: dizem acreditar
que o Karatê pode muito bem ser usado sempre que as circunstâncias o tomem
absolutamente necessário.
Tento salientar que esta é uma concepção totalmente errada do significado
verdadeiro do Karatê, pois a partir do momento em que o Karatê entra em cena, tudo
se transforma numa questão de vida e morte! E como podemos nos permitir entrar em
confrontos de vida e morte frequentemente tendo tão
poucos anos de vida sobre a terra?
Quaisquer que sejam as circunstâncias, o Karatê não deve ser usado
ofensivamente!
..... "
Gichin Funakoshi’O-Sensei