Num início de noite, pouco depois de completar meu trigésimo aniversário, dirigia-me de Naha de volta para Shuri. A estrada estava solitária e ficou ainda mais solitária depois do Templo Sogenjí. À esquerda se estendia um cemitério, e nas proximidades localizava-se um grande reservatório de água onde nos dias há muito passados os guerreiros costumavam dar de beber a seus cavalos. Ao lado do reservatório encontrava-se uma área gramada com uma pequena plataforma de pedra no centro; os jovens de Okinawa vinham a esse lugar para testar sua força em confrontos de queda-de-braço.
Naquele anoitecer em particular, enquanto passava, vários jovens estavam entretidos no esporte. Como já observei anteriormente, a queda-de-braço de Okínawa é um pouco diferente daquela praticada no resto do Japão. Eu gostava muito do esporte e (devo confessar) não sentia falta de confiança. Parei e fiquei olhando por algum tempo.
De súbito, um deles gritou para mim, “Ei!, você! Venha cá e faça uma tentativa! A menos que tenha medo, naturalmente.” “Isso mesmo! “, acrescentou outro. “Não fique aí olhando. Isso não é educado!”
Eu não estava procurando encrenca mesmo; por isso disse, “Por favor, me desculpem, mas devo ir agora.” E retomei meu caminho. “Oh, não, você não vai!” E, com isso, dois deles correram na minha direção. “Fugindo?”, escarneceu um. “Você não tem boas maneiras?”, perguntou outro. Juntos, os dois me agarraram e arrastaram até a plataforma de pedra. Lá estava sentado um homem mais velho que entendi ser o juiz — e provavelmente o praticante de queda-de-braço mais forte do grupo.
Sem dúvida, eu poderia ter usado as habilidades que tinha adquirido e fugido sem dificuldade, mas decidi aderir ao esporte. Venci com facilidade o primeiro confronto, mantido com o jovem que parecia o mais fraco do grupo. O segundo jovem também foi uma vítima fácil. E o mesmo aconteceu com o terceiro, o quarto e o quinto. A essa altura, restavam apenas dois homens, um deles o juiz, e ambos pareciam oponentes fortes. “Bem”, disse o juiz, com um sinal de cabeça para o outro, “agora é sua vez. Está preparado para um embate com este estranho?” “Penso que não”, interferi. “Já tive o bastante, e tenho certeza de não poder vencer. Desculpem-me, por favor.” Mas eles eram insistentes. Meu adversário seguinte, com o cenho carregado, agarrou minha mão, de modo que não pude fazer outra coisa senão combater. Também esse confronto foi meu, e bem rapidamente. “Agora preciso ir mesmo”, eu disse. “Obrigado. Por favor, desculpem.” Aparentemente, dessa vez minhas desculpas foram aceitas.
Mas enquanto retomava o caminho para Shuri, tive uma sensação de que a caminhada não ficaria sem algum incidente. E estava certo, pois em pouco tempo ouvi sons atrás de mim. Por sorte minha, ao sair de casa cedo para ir a Naha, peguei um guarda-chuva, pois estivera chovendo. Agora que a chuva tinha parado, usava o guarda-chuva como bengala; decidi que serviria também como meio de defesa; assim, abri-o rapidamente e mantive-o protegendo a cabeça para prevenir um soco por trás.
Bem, vou encurtar a história. Embora houvesse sete ou oito no grupo, consegui esquivar-me de todos os golpes dirigidos contra mim, até que finalmente ouvi a voz do mais velho dizendo, “Quem é esse rapaz? Parece que ele conhece Karatê.” O ataque terminou. Os homens ficaram ao meu redor, olhando-me com raiva, mas não houve mais socos e nem tentativas de bater-me quando retomei a estrada.
Enquanto caminhava, ia recitando meus poemas favoritos, e ao mesmo tempo ficava atento a sons de movimentos furtivos, mas não ouvi nenhum. Quando cheguei a Shuri, estava cheio de remorso. Por que havia entrado no confronto da queda-de-braço? Teria sido por mera curiosidade? Mas a resposta verdadeira me veio à mente: era confiança excessiva em minha força. Numa palavra, era orgulho. Era uma violação do espírito do Karatê-Dō, e me sentia envergonhado. Mesmo ao contar a história agora, depois de transcorridos todos esses anos, ainda me sinto profundamente envergonhado.
Gichin Funakoshi'O-Sensei