O
Karatê-Dô de O-Sensei’Funakoshi foi criado a partir de seus estudos no vivenciamento pessoal com os seus principais professores,
Azato’Sensei e Itosu’Sensei, além também de Matsumura’Sensei; e desenvolvido por ele, adequando-o e por
vezes simplificando-o, principalmente baseado numa formação nos princípios
Taoistas e Zen Budistas. Sua nobre intenção com a Honorável Arte, claramente
exposta em seus livros, era a de tornar possível a qualquer cidadão comum, não
importando a idade ou condição física, para dela se valer e pratica-la com
constância durante a vida inteira. Em momento algum de sua trajetória vivencial
ele, O-Sensei’Funakoshi, jamais recebeu qualquer tipo de orientação, indicação
ou algum tipo de referencia dos seus professores para uma prática desportiva,
competitiva, ou de características confrontantes, muito pelo contrário. A
própria ideologia, a filosofia e sua formação moral, cultural e espiritual, jamais
permitiriam qualquer transgressão aos princípios doutrinários, muito menos com
intuitos ego centrados, pois transformariam a sua Honorável Arte numa simples prática
lúdica de natureza competitiva e assim desvirtuando e contrariando sua real finalidade
formativa construtiva. Isso seria impensável e inaceitável para ele,
envergonhando e manchando para sempre o seu caráter, pois não era esse o seu
propósito em qualquer nível de interpretação possível, considerando a sua
expectativa do legado para as futuras gerações. Infelizmente por fim e em
especial, logo a partir de sua morte, seus nobres ideais fracassaram neste
sentido, embora norteada para a contenção do conflito o (Budo), e para o auto aperfeiçoamento
do “Ser” indivisível, a sua “Arte” lamentavelmente seguiu por outro caminho. O-Sensei
já advertira para isso em 1940 proibindo a pratica do Jyu Kumite (de forma
livre) que visava confrontos para ver quem era o melhor; reforçando o seu
pedido novamente em 1941 afirmando que expulsaria do seu Dojo quem infringisse
sua determinação, pois o espírito de competição contraria totalmente a essência
do verdadeiro “Budô” em (conter o conflito) e que a competição induz a um
espírito de violência!
Portanto, se naquela época, em algumas
universidades japonesas já havia manifestações contrárias a sua ideologia
doutrinária, que dirá então apresentando sua Honorável Arte para o resto do
mundo. Infelizmente aos olhos do
ocidente, por mais que se faça ou se diga o que em verdade deve ser
compreendido, aceito e praticado, a intenção de um ideal maior, neste caso,
cobrou um preço alto demais, gerando consequências desastrosas e praticamente irreversíveis.
Tal ideologia filosófica formativa foge do padrão institucionalizado de outras culturas
e consequentemente é mal interpretada e transformada em um simples desporto,
divergindo completamente da sua legitimidade original. Sem falar que isto
implica numa possibilidade comercial, promocional e de rápida aceitação social, ainda mais quando é capaz de envolver e aguçar o “ego”, atiçando
justamente a fraqueza humana pela disputa, pelo conflito e pela pura satisfação
pessoal, atraindo assim milhões de pessoas com este tipo de perfil. Logo, tal
atividade é rapidamente aceita e assimilada pelo ocidente, ainda que
equivocadamente. E por óbvia dedução do acaso, contaminando também o oriente,
em particular, as novas gerações de entusiastas com pouca ou nenhuma
conscientização espiritual de formação e total desinteresse pelas tradições,
pelos seus antepassados e pela sua sagrada sabedoria milenar. Contudo, existem exceções,
“células doutrinárias do Karatê-Dô de O-Sensei’Funakoshi”, pequenos grupos, de
forte resistência e oposição para tais “mudanças distorcidas” nesta “moderna globalização
de interesses”. E já naquele tempo, um ano antes de falecer, tamanha era sua tristeza,
que no dia 13 de Outubro de 1956 finalizava o prefácio da segunda edição de sua
histórica obra literária “Karatê-Dô Kyohan” e revelava angustiado o seu
descontentamento e um profundo desgosto e evidente repudio ao lamentável estado
que já naquela época sua Honorável Arte tinha se transformado, no “quase irreconhecível estado espiritual a que
chegou o mundo do Karatê atual” escrevia o mestre em seu mais famoso livro! E mesmo assim, contrariando ao desígnio de seu próprio fundador, dois
meses após a sua morte ocorrida em (26/04/57), logo em junho daquele mesmo ano
foi realizado em Tóquio a primeira competição pública de Karatê no Japão.
Prof.
Sylvio Rechenberg