A Vitória através da Derrota.
...A estrada solitária para
Mawashi serpeava por alamedas de pinheiros grossos, e no início da noite já
estava bastante escuro; assim, fui pego de surpresa quando dois homens saltaram
inesperadamente do abrigo das árvores para o meio da estrada para impedir minha
passagem. Como os outros presumidos atacantes, eles haviam coberto o rosto com toalhas.
Ficou imediatamente evidente que não estavam apenas inclinados a provocar uma
luta bem-intencionada. “Bem”, gritou
um deles insolentemente, “não fique aí
parado como se fosse surdo e mudo. Você sabe o que queremos. Fale! Diga ‘Boa
tarde, senhor’, e diga-nos como o dia está bonito! Não nos faça perder tempo,
coisa miúda, ou vai se arrepender. Dou a minha palavra!” Quanto mais eles
ficavam irritados, mais calmo eu me sentia. Pelo modo como o que falara comigo
fechou os punhos eu podia dizer que não era um praticante de Karatê; e o outro,
que segurava um bordão reforçado, também era um amador. “Vocês não estão me confundindo com outra pessoa?”, perguntei
calmamente. “Com certeza, deve haver um mal-entendido.
Acho que se a gente conversasse sobre isso... “Ah, cala a boca, nanico!”,
rosnou o homem com o bordão. “Por quem
você nos toma? ”Dizendo isso, os dois se aproximaram um pouco mais de mim,
mas não me senti intimidado nem um pouco. E disse, “ Parece que vou ter de brigar com vocês, mas aviso francamente e
aconselho para não insistirem. Acho que não vai ser nada bom porque...” Nesse
momento, o segundo homem levantou o bordão, “porque”,
continuei rapidamente, “se eu não tivesse
certeza de vencer, não lutaria. Sei que vou perder. Então, por que lutar? Isso
não faz sentido!” A essas palavras, os dois pareceram acalmar-se um pouco. “Bem”, disse um deles, “você certamente não poderia oferecer muita
resistência a uma luta. Vamos ver seu dinheiro então!” “Não tenho nenhum
dinheiro”, respondi, mostrando-lhes meus bolsos vazios. “Fumo, então!” “Não fumo.” Tudo o que
tinha era um pouco de inanju, bolos que estava levando para oferecer no altar
na casa do pai de minha mulher. Disse, então, “Vejam, tomem isso. “Só manju!” O tom era de desdém. “Bem, melhor do que nada.” Pegando os
bolos, um dos homens disse, “Melhor ir
andando, nanico. E tenha cuidado, o caminho é um tanto perigoso.” Com isso,
desapareceram entre as árvores. Alguns dias mais tarde aconteceu de me
encontrar com Azato e Itosu juntos, e no curso de nossa conversa contei-lhes o
incidente. O primeiro a me elogiar foi Itosu, que disse que eu havia me
comportado com a maior propriedade e que agora considerava que as horas que
tinha utilizado ensinando-me Karatê tinham sido as mais proveitosas que
passara. “Mas”, perguntou Azato,
sorrindo, “como você não tinha mais o
manju, o que ofereceu no altar de seu sogro?” Respondi: “Já que não tinha mais nada, ofereci uma
oração profunda e sincera.” “Ah, bom, bom!”, completou Azato. “Você fez bem, realmente, esse é o
verdadeiro espírito do Karatê! Agora você está começando a compreender o que
ele significa.” Tentei abafar meu orgulho. Embora os dois mestres nunca
tivessem elogiado um Kata sequer durante as sessões de prática, estavam me enaltecendo
agora; misturada ao orgulho, senti uma duradoura sensação de alegria.
Gichin Funakoshi’O-Sensei